Saltar navegação

Com literatura

Atividade de leitura

"O diabo lavrador"  

Conta-se que um dia o diabo foi ter com um lavrador e propôs-lhe fazerem uma sementeira a meias. O lavrador, como lhe fazia jeito dividir os encargos, aceitou.

—E que semeamos? —perguntou.

—O que for melhor —disse o diabo.

—Que tal semearmos um campo de batatas?... —avançou o lavrador.

—Pois que seja —concordou o sócio.

Meteram então ombros ao negócio. O diabo entrou com as sementes, os adubos, os pesticidas, e o lavrador entrou com o trabalho. Foram dias, semanas, meses, a sachar, a regar, a pulverizar... e, por fim, o batatal cobriu de verde toda a planura do campo. Ficou um autêntico regalo para os olhos. A colheita adivinhava-se da melhor.

Entretanto, ao aparecer para a colheita, o diabo ficou de tal modo deslumbrado com tanta verdura que logo procurou arranjar maneira de ficar com a melhor parte. Propôs então ao lavrador:

—Vamos fazer a divisão da seguinte forma: eu fico com a parte do batatal que está para cima da terra e tu ficas com a parte que está para baixo.

O lavrador nem pestanejou. Aceitou logo.

—Se é assim que queres, assim seja!

Já se está a ver. Ficou o lavrador com as batatas e o outro com a rama.

No ano seguinte, apareceu de novo o diabo ao lavrador a propor que voltassem a fazer uma sementeira a meias.

—E que semeamos? —perguntou o lavrador.

—O que for melhor —disse o diabo.

—Batatas, não, que ainda as tenho do ano passado. Que tal semearmos um campo de trigo?

—Pois que seja —concordou o sócio.

Reataram então o negócio.

O diabo entrou com as sementes e o lavrador com o trabalho. Chegada a altura da colheita, lá estava a seara — e que bela! — a ondular ao ritmo da brisa mansa do Estio. Veio então o diabo para as partilhas e diz ao lavrador:

—Da última vez não me correu bem o negócio que fiz contigo. Por isso, ficas tu agora com a parte do cereal que está por cima da terra e eu fico com a parte que está por baixo!

O lavrador aceitou. É claro. Ficou ele com o grão e o outro com as raízes. Quando deu conta da asneira que fez — dizem —, o diabo fartou-se de dar guinchos e pinotes. E daí em diante já não quis mais sociedades com o lavrador.

Alexandre Parafita, “O diabo e o lavrador”, in Diabos, Diabritos e Outros Mafarricos, Lisboa, Texto Editora, 2003.

Pode ouvir este conto tradicional na versão que Fátima Sobral tem no podcast que está a seguir, a partir do minuto 11'50". Ouça com atenção e assinale as diferenças a respeito do texto escrito.